Um novo caminho
Terapias alternativas complementam o tratamento convencional contra o câncer e melhoram a qualidade de vida dos que lutam para vencer a doença
"Há três meses, a psicóloga Jassyendy de Oliveira, 48 anos, foi aprovada com louvor na primeira avaliação radiológica a que foi submetida depois do tratamento para retirar um tumor no pulmão direito. A tomografia do tórax mostrou que não havia novas lesões e o processo interno de cicatrização caminhava bem. Desde que o câncer foi descoberto, em junho do ano passado, Jassyendy fez quatro sessões de quimioterapia para reduzir 30% do tamanho do tumor e submeter-se a uma cirurgia que lhe removeria um terço do pulmão. Foi um período difícil e pelo bombardeio químico recebido por ela era de se esperar que os efeitos colaterais fossem intensos. Em vez disso, a psicóloga sofreu apenas um leve mal-estar. Fiel ao tratamento médico convencional, ela queria algo a mais para suportar emocionalmente o baque da doença e iniciou um tratamento paralelo com acupuntura e florais de Bach. “Enquanto a quimioterapia cuidava do tumor, a acupuntura e os florais fortaleceram minha vontade de viver. Saía das sessões de acupuntura mais disposta e não fiquei deprimida em nenhum momento”, resume a psicóloga. “Esse conjunto de terapias foi responsável pela minha melhora.”
Jassyendy ainda não pode ser considerada curada (são necessários no mínimo cinco anos para que um paciente de câncer receba a alta definitiva), mas o modo como ela cuidou da doença ilustra uma nova e cada vez mais comum tendência de tratar o problema: aliar a medicina convencional a terapias alternativas e complementares (as alternativas não têm comprovação científica, enquanto as complementares são mais aceitas). Esse modo de encarar o câncer está refletido diretamente nos números. Nos Estados Unidos, um estudo da Universidade de Harvard feito em 1997 revelou que 42% dos pacientes com câncer procuraram algum tipo de ajuda complementar ao tratamento padrão. Em 1990, esse índice era de 34%. Já uma compilação de 26 trabalhos realizados em 13 países mostrou que a média dessa procura é de 31%. No Brasil, a primeira fase de uma pesquisa feita entre 1998 e 1999 com três mil pacientes do Hospital A. C. Camargo, em São Paulo, maior referência em câncer no País, revelou que 48% dos entrevistados usam pelo menos um outro tipo de terapia em conjunto com a quimioterapia. “Comecei o estudo porque muitos pacientes perguntavam o que eu acho das terapias alternativas e eu não tinha uma resposta objetiva”, diz o coordenador do trabalho, Riad Younes.
Os principais motivos apontados pelos pacientes para a busca de uma ajuda complementar são a impessoalidade da relação com o médico tradicional, o uso em excesso de termos técnicos para se referir à doença e o desejo de receber um tratamento menos agressivo do que a quimioterapia. E a medicina alternativa costuma oferecer justamente uma relação mais próxima com os terapeutas, além de apresentar a perspectiva de tratamentos menos dolorosos. “Os pacientes querem se agarrar a todas as armas”, afirma Sérgio Petrilli, diretor-clínico do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graac), de São Paulo. Um estudo recente da Universidade de Stanford, nos EUA, mostrou ainda que o interesse por terapias complementares não é necessariamente resultado de más experiências com a medicina convencional. Mas sim uma maneira de os pacientes sentirem que têm um maior controle sobre o tratamento e podem manter uma melhor qualidade de vida. A artista plástica Denise Mascherpa, 30 anos, por exemplo, buscou apoio nos florais e na meditação para recuperar o equilíbrio emocional após ter sofrido uma cirurgia em 1994 para a retirada de um tumor no ovário. “Acredito que o câncer tem um caráter psicológico forte”, diz. “Andava muito triste. Acho que isso contribuiu para o surgimento da doença.” O dentista aposentado Carlos Schwartz, 78 anos, também faz parte dos pacientes que engrossam o novo perfil de tratamento contra o câncer. Há cerca de três meses – por conta de um melanoma (câncer de pele) – ele faz quimioterapia e usa um tratamento alternativo chamado Canova, com remédios homeopáticos. Diz que eles o ajudaram a ficar menos abatido e a recuperar o bem-estar. “Parece que esse tratamento está ajudando a me escorar”, conta.
Mudança – Desde que essa tendência pela união de terapias foi detectada algo começou a mudar na medicina. Em 1992, o governo americano criou o Office of Alternative Medicine, um centro dedicado a investigar terapias não convencionais como meditação, fitoterapia e massagens, entre outras. Passados oito anos, esse centro foi ampliado em mais dez unidades de pesquisa e recebe uma verba anual de cerca de US$ 50 milhões do governo. Lá, as faculdades de Medicina também estão se abrindo e 27 delas incluem cursos de especialização sobre o tema no currículo. Por aqui, a Universidade de São Paulo (USP) há dois anos oferece uma disciplina de práticas complementares com a qual o aluno da faculdade de Enfermagem escolhe se quer ter noções de terapia floral, massagem e toque terapêutico (uma espécie de massagem energética). “A academia é o melhor lugar para estudar a validade dessas práticas”, justifica Maria Júlia Paes da Silva, professora de Enfermagem da USP. Esse novo paradigma de tratamento recebeu mais dois importantes reforços nos Estados Unidos: mais de 30 planos de saúde passaram a oferecer cobertura para terapias não-convencionais e renomados centros de oncologia começaram a adotá-las juntamente com os procedimentos habituais.
No MD Anderson Cancer Center, o maior centro americano de tratamento de câncer, foi aberto há dois anos o “Place of wellness” (algo como lugar do bem-estar), onde os pacientes complementam seus tratamentos com atividades que vão desde aulas de tai chi chuan até arteterapia e auto-hipnose. “Além do corpo, a mente e o espírito têm de se recobrar do câncer”, diz a coordenadora Laura Baynham, na homepage do MD Anderson. O Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York, oferece no departamento de Medicina Integrativa (que busca a interação de diversas terapias) acupuntura, massagem, meditação e outras técnicas. Em São Paulo, um dos centros pioneiros a divulgar esse conceito de medicina integrativa para o câncer é o Day Care Center, que conta com a supervisão do Memorial Sloan-Kettering e do Beth Israel Medical Center. Na clínica, onde o atendimento é gratuito, o paciente tem à disposição um suporte emocional que inclui psicoterapia breve (cerca de oito sessões focalizadas no problema), visualização (relaxamento baseado na projeção mental de imagens) e musicoterapia. “Esse apoio se traduz em menos complicações e queixas por conta da quimioterapia”, explica Ana Georgia de Melo, uma das diretoras da clínica.
No MD Anderson Cancer Center, o maior centro americano de tratamento de câncer, foi aberto há dois anos o “Place of wellness” (algo como lugar do bem-estar), onde os pacientes complementam seus tratamentos com atividades que vão desde aulas de tai chi chuan até arteterapia e auto-hipnose. “Além do corpo, a mente e o espírito têm de se recobrar do câncer”, diz a coordenadora Laura Baynham, na homepage do MD Anderson. O Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York, oferece no departamento de Medicina Integrativa (que busca a interação de diversas terapias) acupuntura, massagem, meditação e outras técnicas. Em São Paulo, um dos centros pioneiros a divulgar esse conceito de medicina integrativa para o câncer é o Day Care Center, que conta com a supervisão do Memorial Sloan-Kettering e do Beth Israel Medical Center. Na clínica, onde o atendimento é gratuito, o paciente tem à disposição um suporte emocional que inclui psicoterapia breve (cerca de oito sessões focalizadas no problema), visualização (relaxamento baseado na projeção mental de imagens) e musicoterapia. “Esse apoio se traduz em menos complicações e queixas por conta da quimioterapia”, explica Ana Georgia de Melo, uma das diretoras da clínica.
Quem frequenta espaços como esses também pode esclarecer dúvidas sobre as diversas terapias que usa e ouve falar. É uma chance e tanto. Isso porque, em média, menos de 40% dos pacientes contam para seu médico que estão adotando algum tipo de terapia alternativa. O restante tem receio de ser criticado. “Esse clima não é bom. O ideal é abrir o jogo com o médico”, diz Sérgio Petrilli, do Graac. O músico Pedro Luiz Albernaz Jr., 35 anos, se conscientizou disso desde que recebeu o diagnóstico de melanoma, em 1997. À quimioterapia que tem de fazer, ele somou práticas como meditação, remédios fitoterápicos e antroposóficos, mas sempre sob a vigilância de seu oncologista. “Falo sobre tudo para que ele me oriente caso alguma dessas escolhas possa atrapalhar a quimioterapia”, conta. Vera Rodrigues Pereira, 47 anos, também não escondeu do médico a opção de usar a cromoterapia (terapia com luzes) para dar um “reforço” à quimioterapia que seu filho, Andrei, dez anos, recebeu no ano passado devido a um tumor na tíbia (osso da perna). Aplicava o conjunto de luzes na perna do garoto diante do especialista e ao mesmo tempo ele passava pela sessão quimioterápica. “O importante era meu filho ficar bem. Acho que isso ajudou a reduzir os efeitos colaterais”, conta Vera.
Abrangência – Mas será mesmo que cuidar do emocional contribui para enfrentar melhor a doença? “Essa abordagem corpo-mente é útil na qualidade de vida do paciente. Mas ainda resta saber se ela pode aumentar a sobrevida”, pondera Antonio Carlos Buzaid, diretor-executivo do Centro de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. No entanto, uma coisa é certa: não faz mais sentido enxergar o paciente de câncer exclusivamente como um tumor a ser combatido. A relação entre corpo e mente é tão inseparável que se tornou óbvia até para o mais cético dos cientistas. “O mundo está acordando para o fato de que não adianta apenas destruir o câncer. É preciso se preocupar em não prejudicar o indivíduo”, aponta Nise Yamaguchi, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia. Realmente. “Aspectos psicológicos como stress e depressão podem interferir na doença”, diz Sérgio Petrilli.
Cuidar da saúde mental dos pacientes, portanto, é fundamental. Mas é preciso ter cuidado. O perigo é o doente achar que pode mudar o curso da doença apenas com a força da mente. Essa é uma idéia pouco consistente e pode gerar sentimento de culpa e frustração se o caso evoluir mal. Assim como depositar as esperanças de cura em uma planta ou gotinhas “milagrosas” pode ser um suicídio. “É normal que as pessoas busquem auxílio nessas técnicas por desespero. Mas sou contra a mistificação. É mentira dizer que algumas gotinhas, chazinhos ou agulhinhas salvam. Já vi pacientes que tinham um tumor operável, mas preferiram usar a terapia alternativa e acabaram morrendo. Estou cansado de ver isso acontecer e ninguém ser punido”, enfatiza o oncologista Drauzio Varella."
(fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/34209_UM+NOVO+CAMINHO)
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